DEMOCRACIA: CONSCIÊNCIA COMUNITÁRIA
O que é conscientização?
Dentro dos movimentos comunitários, o que mais se ouve é o termo conscientização, como se fosse uma palavra de fácil percepção e emprego. Na verdade, a conscientização é o processo de fazer com que a comunidade conheça seus direitos e deveres, praticando-os em sua plenitude. Um exemplo típico do emprego desse termo é que, quando se entra com um processo contra alguém, devem-se saber os ganhos do processo, no caso de ser favorável, e as perdas, no caso de ser desfavorável. Nunca se quer perder, em nenhum sentido; por isso, uma comunidade desconscientizada, prefere viver como Deus quiser a reivindicar os seus direitos. Isto decorre do comodismo ou usurpação de um regime ditatorial.
A conscientização é mais do que saber o que se passa ao seu redor, é acima de tudo um processo histórico e neste sentido coloca Paulo FREIRE (1980)[1]: no ato mesmo de responder aos desafios que lhe apresenta seu contexto de vida, o homem se cria, se realiza como sujeito, porque esta resposta exige dele reflexão, crítica, invenção, eleição, decisão, organização, ação,... Todas essas coisas pelas quais se cria a pessoa e que fazem dela um ser não somente adaptado à realidade e aos outros, mas integrado. É isto que FREIRE, entende por conscientização. É o homem se descobrindo. É a luta para se descobrir a si próprio, interrogando-se e buscando respostas aos seus desejos e observações.
A conscientização não é especificamente o indivíduo conhecer uma realidade tal como ela é, mas é um processo baseado na relação consciência-mundo; entretanto, explora-se a esse princípio ao se ter, de um lado, a consciência e, de outro, o mundo. A conscientização consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. Desta maneira, conscientizar significa adquirir sua própria liberdade, é libertar-se, porque é daí que o homem percebe tudo que o cerca, pois como se sabe, a consciência humana está bastante interligada com o mundo real, por isso a conscientização é a luta que os homens travam para livrarem-se dos obstáculos que impedem uma boa percepção do mundo cotidiano. A conscientização é um processo, e como tal, ele é lento, exigindo muita paciência e trabalho, frente às comunidades.
Nesta seqüência lógica, consciência, vista por LEONTIEV (1980)[2] é interpretada simplesmente como conhecer, pois ele próprio coloca que o trabalhador contratado está, sem dúvida consciente do produto que produz; por outras palavras, ele está consciente de seu significado objetivo (Bedeutung) pelo menos na medida em que dele se espera que seja capaz de executar as suas funções laborais de uma forma racional. Com esta versão, extrai-se que a conscientização é o processo de racionalidade estritamente técnico, mas sem dúvidas se esquece seu significado político dentro de uma sociedade como um todo. Pelo pouco que se entende de conscientização, conclui-se que o homem é apenas um executor de normas e não um ser político participativo, conhecedor de seus deveres e obrigações na estrutura social como um todo.
A consciência envolve duas fases de fundamental importância, quais sejam: a imagem e a atividade. A primeira fase é o perceber, é ver, é formar um corpo sobre qualquer objeto criado. Já a segunda fase é a práxis, é a atuação do homem frente aos atropelos do cotidiano. É nesta fase que se concretiza a consciência social. Com o passar do tempo, a atividade cotidiana transforma-se também num objeto de consciência. É a partir daí que a humanidade torna conscientes todas as atividades de pessoa para pessoa e, desta maneira, o homem conhece suas próprias ações. Sendo assim, o processo de conscientização passa pela trilogia sujeito-atividade-objeto, porém não se sabe a referencia inicial do processo.
De maneira mais geral, LUKÁCS (1923)[3] vê a conscientização, enfocando que a superioridade do proletariado sobre a burguesia - que por outro lado lhe é superior em todos os pontos de vista: intelectual, organizacional, etc. - esta exclusividade no fato de ser capaz de conscientizar a sociedade, a partir do seu centro, um todo coerente, e, por conseguinte, de agir de maneira central modificando a realidade; esta em que pode jogar sua própria ação como fator decisivo à balança da evolução social, porque, para sua consciência de classe, teoria e praxis são coincidentes. Esta colocação refere-se à união do povo a um fim comum, a libertação da humanidade, levando em consideração o aspecto organizacional que busca o desmantelamento da elite empresarial e a vitória dos trabalhadores.
Com este pequeno arcabouço teórico, volta-se ao mundo real, a uma realidade imperfeita, a um mundo de egoísmo, de luta pelo poder, em detrimento da classe espoliada pela minoria que detém a maior concentração de renda e o seu poderio no sistema como um todo. Depois da "Revolução de 1964", todas as organizações de base calaram sua viva voz e com elas se foram as esperanças de participação na vida política do país. Os anos se passaram lentamente e cada vez mais, o obscurantismo mental, gravemente, cercou a mente de cada brasileiro, impedindo-o de buscar sua liberdade e de conhecer seu "módus vivendi", porque conhecer a realidade seria fazer subversão, seria ir de encontro aos desejos nacionais, mas se esquece que milhões de brasileiros morreram na miséria e de fome.
A desorganização do país cresceu tanto que os Senhores Presidentes que sucederam a "Revolução" perderam o controle da situação e as exigências do povo começaram a ecoar fortemente não numa organização cem por cento solidificada, mas os grupos que não se entregaram, começaram a orientar o povo ao seu verdadeiro caminho, com as ativações das Sociedades de Bairro, com atuação dos Sindicatos, com as Associações de Docentes, com os mutirões públicos, com os Movimentos Feministas, com os Movimentos dos Clubes de Mães na política e, acima de tudo, com a integração de todas as comunidades, exigindo um país melhor. Foi aí onde o povo começou a se organizar com maior intensidade na busca de se ter um país participativo e livre.
As Sociedades de Amigos de Bairros começaram tentando organizar a comunidade no sentido de fazer as reivindicações de seus comunitários. A princípio, elege-se uma diretoria provisória que objetiva estruturar a sociedade e daí começarem as discussões de politização, de reivindicação e, acima de tudo, de organização. Os convites são constantes para a participação das comunidades, mas a freqüência é mínima nos debates semanais ou quinzenais da entidade, isto devido aos resquícios da ditadura e acomodação de quem só quer tudo nas mãos, como se as SABs fossem empregadas da comunidade, que estivessem para a comunidade como prestadoras de serviços gratuitos. Verifica-se hoje um tremendo descaso dos comunitários para com sua Entidade de Base.
O mesmo acontece com os sindicatos de todas as espécies. Ao se conversar com um trabalhador, a pessoa sente o quanto aquele homem está dissociado de sua entidade e ele diz imediatamente: Não adianta você fazer reclamações aos Sindicatos, porque eles não resolvem nada. Uma vez, um trabalhador falou: "Estou sendo perseguido pelo meu superior". Em seguida se falou para ele: Por que você não se organiza no sentido de lutar pelos seus direitos? E ele respondia claramente: "O Sindicato não serve de nada e os trabalhadores são covardes e tem medo de perder o seu emprego, pois emprego hoje está muito difícil". Enquanto se tiver esta mentalidade de que emprego está difícil, que os colegas não ajudam neste trabalho de organização, não se pode ter forças para reivindicar e exigir dos empresários os seus direitos.
Ultimamente têm surgido as Associações de Docentes, como por exemplo: as Associações de Professores de Nível Médio, as Associações de Professores de Nível Superior, as Associações de Professores Primários. Isto mostra que as pessoas estão lentamente se organizando, reivindicando e, o mais importante, estão se apercebendo de sua situação como ser humano. Mesmo assim, o grau de conscientização de todas essas associações ainda deixa muito a desejar, porque se desejam melhorias em suas classes, mas pouco se participa, pouco se luta e pouco se fortifica sua entidade para que ela tenha mais força. Um trabalho social é um trabalho de todos e não um trabalho da entidade que está na classe. A Entidade é apenas coordenadora, mas todos têm que participar.
O processo de conscientização caminha muito lento, a tal ponto que surgem alguns grupos reivindicando isoladamente seus direitos e até mesmo participando de mutirões de rua, tentando resolver pequenos problemas de seus bairros ou conjuntos habitacionais. Isto tem demonstrado que as pessoas isoladas já procuram desenvolver um trabalho comunitário, se não em sua SAB ou em seu sindicato ou qualquer agrupamento, mas a sua consciência já começa a acusar que homem deve participar, deve ser gente. O descrédito nos movimentos comunitários, pode-se observar, origina-se do peleguismo que campeou e ainda campeia nas lideranças destes movimentos. Procura-se muitas vezes ser um membro de uma SAB pela facilidade de se conseguir emprego para si ou para a família.
Dentro desta estrutura, deve-se procurar uma maneira de demolir esse tipo de pagamento, essas atitudes comprometedoras dos movimentos comunitários. Essa falsa consciência desses leaders expulsa os comunitários de boa fé e os movimentos comunitários resumem-se, no máximo, os membros da diretoria. Essa atitude existe também nos sindicatos e em qualquer outro movimento que tem como cabeça pessoas comprometidas com as autoridades locais ou regionais. Esse trabalho, ao invés de conscientizar o ser humano em sua Entidade de base, desconscientiza, aliena e acomoda a uma situação de subordinado e subserviência. Portanto, deve-se reestruturar o movimento comunitário e fazer com que essas Entidades de base tenham uma postura de independência, conscientizada e firme.
[1] Paulo Freire. Conscientização. São Paulo, Moraes, 1980, p. 15.
[2] A N. Leontiev. Atividade e Consciência. Lisboa, Livros Horizontes, 1980, p. 72
[3] Gyorgy Lukács. Consciência de classe. Extraído de Histoire et Conscience de Classe, Éditions de Minuit,
Paris, 1960, p. 43.
Paris, 1960, p. 43.
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